segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

A cultura se nutre da economia criativa

MinC: Ana de Hollanda em coletiva de imprensa
O Globo, Segundo Caderno, em 23/01/2011

Ao abrir secretaria para tratar as atividades artísticas como negócio, MinC segue um conceito que ganha força no mundo

Uma universidade na Inglaterra encontrou uma maneira simples e genial para aglomerar os alunos de seus cursos em torno de uma ideia. Na capela do campus, é possível agendar casamentos, cuja produção ficará toda a cargo dos estudantes. 

Os de gastronomia cuidam de canapés, jantar e bolos; os de moda, do vestido da noiva; os de artesanato, dos brindes para os convidados; os de cenografia, da decoração da festa; e os de fotografia e cinema fazem com que tudo isso vá parar em imagens e vídeos bem trabalhados. Ninguém sabe se a taxa de casamentos aumentou na região. Mas todos entendem que a experiência é um microcosmo das possibilidades da economia criativa.

O termo, que vem ganhando projeção no Brasil, acaba de ser alçado ao patamar de política pública nacional com a criação da Secretaria da Economia Criativa, dentro da estrutura do Ministério da Cultura. A medida foi anunciada anteontem pela ministra Ana de Hollanda, que nomeou a ex-secretária de Cultura do estado do Ceará Cláudia Leitão com a proposta de refletir sobre o potencial do setor. É, também, uma preparação para o Fórum Mundial de Economia Criativa, agendado para o fim de 2012, no Rio.

- Muita gente que trabalha na área tem o dom do empreendedorismo, mas quase ninguém se acostumou a tratar a cultura como negócio a longo prazo – diz Adriana Rattes, secretária de Cultura do estado do Rio, que introduziu, há um ano e meio, uma Coordenação de Economia Criativa em sua pasta. – O MinC está reconhecendo que, entre as várias dimensões que a cultura tem, a de gerar valor econômico para o país é extremamente relevante.

Define-se economia criativa como um conjunto de habilidades que podem ser coordenadas para a geração de riquezas e criação de empregos. A expressão surgiu na Inglaterra, há cerca de 15 anos, quando economistas se deram conta de que as atividades culturais eram as que mais cresciam. Perceberam, justamente no país da Revolução Industrial, que os produtos estavam dando lugar às ideias como moeda de troca nas sociedades contemporâneas.

- Na Inglaterra, a segunda maior renda em exportações está na música – conta José Alberto Aranha, diretor do Instituto Gênesis da PUC-Rio, uma unidade que trabalha no desenvolvimento local e na formação de empreendedores. – No Brasil, porém, a gente ainda está engatinhando. Veja a Lapa, por exemplo. Ali poderia ser um local de uma indústria criativa ótima. Se fosse feito um planejamento econômico que valorizasse as raízes culturais do bairro, você teria alguém produzindo roupas para um show, cenografia para um espetáculo e daí por diante. Poderia haver uma indústria ali.

As atividades em torno da economia criativa não se limitam a manifestações tradicionais como cinema, teatro ou música. Os entusiastas da proposta falam da produção de games, softwares educativos, design, publicidade ou moda, por exemplo, como esferas possíveis de integração.

- Quando comecei a pesquisar o conceito na Fundação Getulio Vargas, há dez anos, a gente falava de núcleos de entretenimento – diz Adriana Dias, sócia do Grupo Urca, que tem o Polo de Economia Criativa (PEC) como um de seus braços. – Hoje já temos conceitos de economia criativa gerando empregos, receitas, oportunidades e até alternativas para antigas profissões. Temos, por exemplo, o direito do entretenimento.

O PEC surgiu no meio de 2010 para desenvolver cursos e atividades que integrem diferentes áreas da cultura. O momento foi apropriado não só pelo que se tem passado no Rio, mas pelo que está por vir, já que a Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016 são eventos valiosos para a indústria cultural. Também se alinham com o futuro a iniciativa da secretaria de Cultura do estado em lançar um edital para o Incubadora Rio Criativo, projeto que vai selecionar participantes para duas incubadoras a serem inauguradas em abril, uma no Cais do Porto, outra na Baixada Fluminense. As inscrições terminam sexta-feira.

- É um modelo dos parques tecnológicos que vai se adaptando para o mercado cultural – diz Marcos André, coordenador de economia criativa de secretaria. – É preciso vencer um preconceito entre empreendedores e artistas que acham que planejamento é uma coisa menor.

Como exemplo de planejamento, Walkíria Barbosa, diretora do Festival do Rio e da produtora Total Entertainment, conta que empresários cariocas têm se reunido para debater a criação de uma associação de produtores de grandes eventos,
tudo em nome dessa nova economia pulsante.

- Queremos misturar os diferentes segmentos da indústria criativa. Por exemplo, o Festival do Rio poderia se integrar com o Fashion Rio, da mesma forma como o cinema pode interagir com a moda – diz Walkíria. – A iniciativa do MinC de criar uma secretaria para a área moderniza o conceito de cultura no país, olhando para ela como o processo industrial que é. É um grande passo para a cultura brasileira.